sábado, 1 de outubro de 2011

Marcos Valle - Previsão do Tempo (1973)



                Quando se pensa nesse incrível músico, a primeira lembrança é a primeira fase de sua carreira, quando flertava ainda com a bossa nova. Esse período, mais vivo até 1966, remonta belas canções como "Preciso aprender a ser só" e "Samba de Avião", que fizeram de Marcos Valle uma peça importante no cenário nacional. As transformações começariam no ano seguinte com a introdução de gêneros regionais nas faixas. A parceria com os futuros integrantes do Azymuth a partir de 1969 mudariam de vez sua carreira, o levando para os cenários menos explorados da música popular. Após alguns trabalhos juntos, surgiria no ano de 1973 um de seus registros memoráveis após a fase bossa, era o eclético e provocante "Previsão do Tempo".
                Essa grande obra começaria pela capa, que mostra um close de Marcos Valle dentro de uma piscina dando a crer que estivesse morto, dando brecha para várias interpretações, como a idéia do receio em relação à determinação do regime ditatorial brasileiro em impedir certas manifestações artísticas. A participação de José Roberto Bertrami (órgão e sintetizadores), Alex Malheiros no baixo e Ivan Conti na bateria foram um dos fatores determinantes para o resultado final do álbum, dada a sonoridade diferenciada que foi posta no álbum, como o baixo Rickenbacker 4001 e o mini moog de Zé Bertrami. A produção ficaria por Milton Miranda, auxiliado na coprodução pelo irmão de Marcos Valle, Paulo Sérgio Valle, que também assina várias faixas com o irmão.
                O abre-alas do álbum é "Flamengo até Morrer", um sambinha com grande uso da cuíca e dos coros, que fala em sua letra da paixão da gigante torcida flamenguista com seu time (que o faz comer um prato a menos de comida para comprar os ingressos), citando desde ele até o presidente Médici como "flamenguistas até morrer". A resolução de problemas na equipe, em "parece que finalmente resolvemos o dilema, Dario e Dorval jogando juntos sem problemas", além de escalar a equipe em outros versos. A surpresa fica com o solo de guitarra que se dá no final da música. O samba é tão bom que faz até o vascaíno que vos escreve ouvir sem nenhum tormento. A sequência se dá com a faixa "Nem Paletó Nem Gravata", uma faixa bastante funkeada com o baixo de Alex Malheiros e o mini moog como protagonistas, sintonizando a letra ao antigo lema brasileiro de comodidade, um verdadeiro canto contra os padrões de formalidade da sociedade setentista. "Tira a Mão" seria um samba cheio de teclas falando dos falsos colegas. "Mentira", a quarta faixa do álbum, tem em suas teclas uma lembrança muito viva do estilo do pianista Sérgio Mendes, um samba não tão tradicional quanto à primeira música, e sim com variações psicodélicas, com extenso recurso dos teclados. Uma curiosidade é notar uma possível "Human Beatbox" que Valle reproduz na faixa, sem dúvida um pioneirismo para a época. Após a instrumental "Previsão do Tempo", única música composta unicamente por Marcos Valle, a música que segue (Mais que uma Valsa) é bem conduzida por um baixo marcando tempo, com cordas e teclas intercalando-se. O vocal nessa faixa beira ainda a técnica do falsete, evidenciando a capacidade do músico.  faixa beira ainda a técnica do falsete, evidenciando a capacidade do músico. O baião "Os Ossos do Barão", que é também música de abertura de novela global do mesmo ano é a faixa com mais pegada regional de todo álbum, e fala em sua letra dos artifícios utilizados por um empregado que cria riquezas durante a Revolução Industrial paulistana (que tem em posse todos os bens do barão, inclusive seus ossos) e que pelo fato de não ser nobre, indaga o valor da vida e do sorriso das pessoas, sondando-as com dinheiro que compraria até "o mundo inteiro". O trio de compositores Marcos Valle, Eumir Deodato e João Donato assinam duas músicas: "Não Tem Nada Não", com sua pitada de samba com rock e "Não Tem Nada Não pt 2", uma continuação do instrumental. "Samba Fatal" possui um poderoso sintetizador que dá atmosfera bem cinzenta para descrever as atitudes na vida de uma pessoa, como "Amanheceu entre estudar ou calar, fumar ou lutar, sonhar ou falar, cantar ou gritar". "Tiu-Ba-La-Quieba" seriam as frases que um indivíduo mal da cuca começou a falar, possui uma melodia que lembra em alguma coisa o reggae, promovido grande parte disso à bateria de Ivan Conti e as teclas de Zé Roberto, a faixa ainda marca a técnica de falsete no refrão. A música que fecha o álbum é a bossa "De Repente Moça Flor", com um vocal suave de Valle acompanhado pelo trio de músicos do Azymuth, que surpreenderiam ao final da música com uma sonoridade progressiva, pelo solo das teclas.
                As composições, em maioria da parceria dos irmãos Paulo Sérgio e Marcos compõem um álbum que estava muito a frente do seu tempo, não tendo paralelos na década mais rica da nossa música. Valle confirmou de vez seu talento como músico, a ponto de explorar-se tanto nas harmonias e técnicas vocais, quanto em faixas mais dispersas, como o baião da faixa sete, o funk e samba em tantas outras e resquícios de bossa nova, que fecham a obra. Outro destaque são as letras, que abordam temas corriqueiros na sociedade brasileira, como o futebol, a indisposição aos paradigmas do trabalho e o valor do dinheiro, contra a condição moral dos indivíduos, dos que se vendem por alguma coisa, ou os que oferecem para obter algo. "Previsão do Tempo" é ideal para todo aquele que se interesse pelo suprassumo da música brasileira, um trabalho aclamado à nível mundial que infelizmente é muito pouco conhecido em sua terra natal.


  • Avaliação:


  • Ficha Técnica
Gravadora:Odeon
Lançamento:1973
Gênero:Funk, Samba e Psicodélico

  • Faixas:
A1) Flamengo Até Morrer  Compositores: Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle          3:26
A2) Nem Paletó Nem Gravata Compositores: Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle          2:57
A3) Tira A MãoCompositores: Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle          2:44
A4) MentiraCompositores: Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle          3:41
A5) Previsão do Tempo Compositore: Marcos Valle3:33
A6) Mais Do Que Uma ValsaCompositores: Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle          2:47
B1) Os Ossos do BarãoCompositores: Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle          2:15
B2) Nao Tem Nada NãoCompositores: Eumir Deodato, João Donato e Marcos Valle3:08
B3) Nao Tem Nada Não pt 2Compositores: Eumir Deodato, João Donato e Marcos Valle  1:20
B4) Samba FatalCompositores: Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle          3:04
B5) Tiu-Ba-La-QuiebaCompositores: Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle          3:21
B6) De Repente Moça FlorCompositores: Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle          3:03


  • Créditos:
Vocais:Marcos Valle
Vocais de Apoio:Marcos Valle
Baixo:
Alex Malheiros
Guitarra:
Sérgio Hinds
Órgão e Sintetizadores:
José Roberto Bertrami
Piano Elétrico:Marcos Valle
Bateria:Ivan Conti
Arranjo:
José Roberto Bertrami(2,3,4,5,6,8,9,11,12), Marcos Valle(1,10) e Waltel Branco(7)
ProduçãoMilton Miranda


  • Vídeos:


Samba Fatal



Mais Do Que Valsa



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