
A psicodélica
e efervescência que ocorria no Brasil alguns anos após o golpe militar daquele
último dia de março de 1964 vinha colhendo bons frutos a caráter de qualidade
musical. Um dos músicos tupiniquins a fazer todo esse estudo do que ocorria
fora das nossas fronteiras foi Ronnie Von, com um álbum homônimo que resgatou
muito do som da invasão britânica. Já nessa época, esse tipo de som era visto
como uma afronta tanto ao regime como a música popular brasileira que estava
estabelecida. É numa dessas bandas que surge o Som Imaginário, que na sua
formação do primeiro lançamento contava com Zé Rodrix, Robertinho Silva,
Frederiko, Luiz Alves, Tavito e Wagner Tiso. O lançamento, recheado da
musicalidade ácida era camuflado pelas habilidades "jazzísticas" que
tinham metade de seus integrantes, Tiso, Alves e Silva, que traziam consigo um
universo de sonoridades que fariam dessa banda muito mais do que uma banda
psicodélica. Os primeiros anos do artigo quinto passaram, e com eles a saída de
Rodrix do grupo (formando trio com os colegas Sá e Guarabyra), além de um
lançamento, dessa vez bem mais ácido e pesado que o anterior, justificando à
batuta que agora Fredera regia o grupo. Como prova dessa habilidade quase
camaleoa dos músicos, "A Matança do Porco" representaria mais um
capítulo na história dessa banda, que de mera acompanhante das turnês de
artistas como Milton Nascimento e Marcos Valle, viria a ser, por um curto
espaço de tempo, dona de sua própria fama.
A ordem
dos lançamentos anteriores do grupo auxilia na explicação das decisões tomadas
nesse singular lançamento. Enquanto "Som Imaginário" e "Som
Imaginário - Nova Estrela" estiveram regidos por Rodrix (assinando faixas,
tocando flauta, nos vocais e nas teclas) e por Frederyko (nas guitarras
distorcidas, vocais e nas composições), dessa vez o trabalho todo ficou por
conta não de dois músicos de formação em rock e que já não estavam mais na
formação da banda, mas sim por Tiso, que era um jazzista convicto. A ordem dos
acontecimentos o permitiu assinar as faixas além de arranjar todas as melodias
daquele que seria até segunda ordem, o único álbum sem a psicodelia, presente
muito fortemente em momentos anteriores. Uma ressalva interessante é que os
músicos de sessão tiveram papel fundamental na sonoridade, a exemplos de Danilo
Caymmi, os guitarristas Chiquito e Frederyko, a percussão de Chico Batera, e as
conduções de Gaya e Verocai com auxílio da orquestra da gravadora, a Odeon. A
produção seria ainda marcada pelo trabalho do competente Milton Miranda.
Trabalhado
em sobressalto às teclas e os arranjos de guitarra dos três guitarristas
envolvidos, o álbum premia o ouvinte com nove faixas que caminham muito por
dentro da sonoridade do jazz, do progressivo e da música regional. De forma
geral, é talhado em cima do instrumental, que como obra máxima possui "A
Matança do Porco" (e sua incrível capacidade de passar diversos
sentimentos ao ouvinte, como o padecimento e a angústia). Com mais de onze
minutos de duração e dividida basicamente em um primeiro momento (até os sete
minutos) carregados de um rock progressivo mais pesado, com uma espetacular
linha de guitarra de Fredera seguido por uma parte altamente sinfônica (sob a
batuta de Gaya, em uma de suas duas participações) e com os arranjos vocais de
Milton Nascimento e do quarteto vocálico Golden Boys, sequência que se mantém
até o final da faixa. Uma boa junção entre Tiso e o som mais antigo do grupo é
a sequência "Armina", que caminha mais pelo jazz, e que conta em
momentos oportunos, com a presença do fuzz da guitarra de Frederyko, já como
músico de sessão e em uma de suas três participações na obra. Ainda em relação
a esse tema, foram adicionadas ao álbum três vinhetas sob a batuta de Arthur
Verocai, a primeira com um arranjo de sopro e basicamente sinfônica, a segunda,
bastante jazzística e com um Tiso bastante inspirado e a terceira estritamente
sinfônica, com os metais e o violino bastante presentes, contando com 0:45,
0:33 e 0:40, respectivamente. Partindo para um jazz fusion com bastante
brasilidade temos "A3", que é a faixa que explora melhor o conjunto:
Alves no contrabaixo, Silva nas baquetas, Tavito e Chiquito nas guitarras e
Tiso nas teclas, e é por esta linha que o grupo sai do local comum na música
comercializada, não bastaria apenas utilizar uma tendência do momento, mas
deveria-se quebrar barreiras utilizando muito da nossa música tradicional. É
nessa tônica que a oitava música do álbum, "Mar Azul" é trabalhada,
sobre a regionalidade e com a especialíssima participação de Danilo Caymmi na
flauta, que gera uma riqueza ainda maior a música. A boa-divergência (que
enriquece a obra) pode ser finalmente reduzida em duas faixas: a progressiva e
lisérgica "A nº2", (que possui em sua raiz um shape do samba) com
nova presença de Frederyko (contando com sintetizadores e uma sequência de
cozinha muito boa para o final da faixa) e o "Bolero" de Wagner,
liderados por seus riffs de teclas e o contrabaixo de Alves, além de nova
participação de Caymmi.
Finalizado
em 1973, esse marcaria o último registro em estúdio do Som Imaginário. A
inovadora obra que acabara de ser lançada, logo receberia o reconhecimento do
público específico para estar no hall dos melhores álbuns progressivos das
Américas, uma grande marca principalmente por se tratar de uma época em que o
gênero era profundamente difundido e inovado pelo continente. Os feitos dessa
reduzida formação do Som Imaginário marcaram não só uma nova fase na carreira
dos músicos (de forma individual), mas um marco para o rock nacional, que
alcançava outro patamar a critério de universo musical. A última obra desta
banda ratificaria uma capacidade ímpar e não mais vista desde então em manusear
as diversas musicalidades, além de uma discografia dignamente intocável no rock
brasileiro.
Gravadora: | Odeon |
Lançamento: | 1973 |
Gênero: | Jazz, Rock Progressivo e Regional |
A1) Armina | Compositor: Wagner
Tiso | 5:46 |
A2) A3 | Compositor:
Wagner Tiso | 3:11 |
A3) 1ªVinheta Armina | Compositor:
Wagner Tiso | 0:45 |
A4) A nº2 | Compositor:
Wagner Tiso | 6:41 |
B1) A Matança do Porco | Compositor:
Wagner Tiso | 11:08 |
B2) 2ªVinheta Armina | Compositor:
Wagner Tiso | 0:33 |
B3) Bolero | Compositores: Luiz
Alves, Milton Nascimento, Robertinho Silva, Tavito e Wagner Tiso | 3:13 |
B4) Mar Azul | Compositores: Luiz
Alves e Wagner | 3:30 |
B5) 3ªVinheta Armina | Compositor: Wagner Tiso | 0:40 |
Vocais: | Golden Boys e Milton Nascimento(5) |
Baixo: | Luiz Alves |
Violão de 12 cordas: | Tavito |
Guitarra: | Chiquito (2,4,7) e Frederyko(1,3,4,5) |
Bateria: | Robertinho Silva |
Percussão: | Chico Batera(2,4,5) |
Piano: | Wagner Tiso(1,5,7) |
Piano Elétrico: | Wagner Tiso(1,2,4,7,8) |
Órgão: | Wagner Tiso(1,2,4,5,8) |
Flauta: | Danilo Caymmi(2,7,8) |
Orquestra: | Odeon(3,4,5,6,9) |
Condutor: | Arthur Verocai(3,6,9) e Gaya(4,5) |
Arranjos: | Wagner Tiso |
Produtor: | Milton Miranda |
- Gravado nos Estúdios Odeon GB, Rio de Janeiro, Brasil, 1973
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